Patologia das construções: uma especialidade na engenharia civil

01/08/2016 10:54

 

Por Fernando Benigno da Silva

Alessandra A. V. França 

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Construção civil da UFPR

Carlos Gustavo N. Marcondes 
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Construção Civil da UFPR

Francielle C. da Rocha 
Mestranda do Programa de Pósgraduação em Construção Civil da UFPR

Marcelo H. F. Medeiros 
Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Construção Civil da UFPR marcelo.medeiros@ufpr.br

Paulo Helene
Prof. Dr. da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

O termo Patologia, de origem grega (páthos, doença, e lógos, estudo), é amplamente utilizado nas diversas áreas da ciência, com denominações do objeto de estudo que variam de acordo com o ramo de atividade. Sua aplicação em áreas como de Ciências Biológicas é comumente contextualizado, por se tratar de estudos investigativos referentes às alterações estruturais e funcionais das células, dos tecidos e dos órgãos, provocados por doenças. A introdução desses estudos, nas várias especialidades médicas, começa ainda no período da graduação, com métodos investigativos das doenças, estabelecimento de prognósticos, terapêutica e a profilaxia, itens futuramente abordados no presente trabalho. Em contrapartida, apesar de o termo patologia estar consolidado na área de reabilitação e conservação de edificações, é comum ver situações em que sua aplicação se dá de forma errônea, resultado da falta de qualificação e conscientização profissional da importância do emprego da terminologia da forma correta.

Engenharia inspirada na medicina
No ramo da medicina a patologia envolve tanto a ciência básica quanto a prática clínica, e é devotada ao estudo das alterações estruturais e funcionais das células, dos tecidos e dos órgãos que estão ou podem estar sujeitos a doenças modificadoras do sistema. Todas as doenças têm causa (ou causas) que age(m) por determinados mecanismos, os quais produzem alterações morfológicas e/ou moleculares nos tecidos, que resultam em alterações funcionais do organismo ou parte dele, produzindo sintomas.

Na fase de estudos, cabe buscar novos meios para evitar as doenças ou a sua propagação. A esta ação denomina- se "profilaxia" (do grego, prophýlaxis = cautela).

Fotos cedidas pelos autores/TsuneoMP/Shutterstock

Figura 1 - Estrutura de sustentação na medicina e na engenharia civil

Foi exatamente este panorama vindo da medicina que inspirou engenheiros civis a passarem a usar termos da medicina na engenharia civil, sendo atualmente muitos deles já consagrados e usados inclusive em livros adotados nos cursos de graduação em engenharia civil em todo o mundo. Este intercâmbio de terminologias vem das similaridades dos objetos de estudo destes dois tradicionais campos de formação, o ser humano e a edificação. É fácil traçar um paralelo e entender que o esqueleto humano compara-se à estrutura do edifício (figura 1), onde a musculatura se assemelharia às alvenarias, a pele poderia ser comparada aos revestimentos, o sistema circulatório seria como as instalações elétricas, de gás, esgoto e água potável, enquanto que o aparelho respiratório seria o sistema de ventilação (janelas, ar-condicionado, sistemas de exaustão etc.).

Figura 2 - Comparação do remédio da medicina com o reparo com uso de pastilhas para proteção catódica das armaduras da engenharia civil

 

Figura 3 - Comparação do exame da medicina com o exame da engenharia civil

As similaridades não param por aí. Quando uma estrutura apresenta problemas, é comum fazer uma recuperação por meio de reparos, e isso poderia ser comparado ao remédio receitado na medicina (figura 2). Neste momento entra-se em um dos pontos fortes de discussão deste trabalho, pois o médico não receita um medicamento sem saber a doença e suas causas, além de solicitar alguns exames comprobatórios ao paciente sobre estes tópicos, quando necessário. Durante décadas, a engenharia civil era como uma medicina que não fazia exame (figura 3) e sequer procurava a doença. Os serviços de reparo eram, e em alguns casos ainda são, feitos sem o envolvimento de especialistas na área de patologia das construções. Porém, isso tem mudado em alguns aspectos. Embora atualmente ainda existam empresas de menor porte que não aplicam toda a teoria de patologia das construções desenvolvida nas últimas décadas em prol de um diagnóstico benfeito que irá levar a uma correta especificação de materiais (remédio) e procedimentos de recuperação (procedimento cirúrgico), já existe muito conhecimento produzido e sendo disponibilizado para os profissionais, que estão sendo formados na área e sendo requisitados pelo mercado. Esse fato pode ser considerado uma vitória da engenharia civil resultante da militancia de vários professores e pesquisadores das universidades nacionais em prol desta vertente de formação necessária nos dias de hoje, haja vista a preocupação acerca de construções sustentáveis e mais duráveis.

Fotos cedidas pelos autores

Figura 4 - Paralelo entre o doente da medicina (ser humano) e o doente na engenharia civil (edificação)

Desse modo, a patologia nas edificações se dedica ao estudo de anomalias ou problemas (possíveis doenças) do edifício e as alterações anatômicas e funcionais causadas no mesmo (figura 4). Estas doenças podem ser adquiridas congenitamente, ou seja, durante a execução da obra (emprego inadequado de materiais e métodos construtivos) ou na concepção do projeto, ou mesmo serem adquiridas ao longo de sua vida. A morte da estrutura neste caso seria comparável à sua ruína. Dependendo do tipo e porte da obra, a ruína de uma edificação pode ocasionar perdas de centenas de vidas, além de perdas financeiras. Em geral, as perdas financeiras ocasionadas pelos processos de degradação das estruturas são elevadas. Para exemplificar, nos Estados Unidos, o custo anual apenas de problemas relacionados à corrosão chega a 3,1% do PIB, o que totaliza US$ 276 bilhões, contra 3,5% no Brasil.

Contudo, a expectativa de vida dessas estruturas também pode ser ampliada quando essas doenças são devidamente tratadas.

Na medicina, diversas terminações são usadas em associação com o termo patologia. Na engenharia, diversos termos, com significados voltados para a medicina (encontrados em dicionários) podem ser utilizados, desde que os objetos de estudo sejam voltados para materiais em edificações. São eles:
 Profilaxia das edificações (do grego prophýlaxis, "cautela"): é a aplicação de meios tendentes a evitar as doenças ou a sua propagação. Em sua adaptação para a engenharia significa a aplicação de meios para evitar as "doenças" (anomalias ou problemas) do edifício, bem como suas propagações;
 Diagnóstico (do grego diagnosticu, dia = através de, durante, por meio de + gnosticu = alusivo ao conhecimento de): conhecimento (efetivo ou em confirmação) sobre algo, ao momento do seu exame; ou a descrição minuciosa de algo, feita pelo examinador, classificador ou pesquisador. Em compreensão o termo na engenharia teria a função de identificar e descrever o mecanismo, as origens e as causas efetivamente responsáveis pelo problema patológico;
 Prognóstico (do latim prognosticu - pro = "antecipado, anterior, prévio" + gnosticu = "alusivo ao conhecimento de"): juízo médico, baseado no diagnóstico e nas possibilidades terapêuticas, acerca da duração e evolução de uma doença; ou predição, agouro, presságio, profecia, relativos a qualquer assunto. Ou seja, estimativa da evolução do problema ao longo do tempo
 Terapia (do grego θεραπεíα - «servir a deus»): significa o tratamento para uma determinada doença pela medicina tradicional, ou por meio de terapia alternativa. Também há recomendação de medidas necessárias, sejam elas imediatas ou não;
 Anamnese (do grego ana, "trazer de novo" e mnesis, "memória"): é uma entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença. Em outras palavras, é uma entrevista que busca relembrar todos os fatos que se relacionam com a doença e à pessoa doente

Uma anamnese, como qualquer outro tipo de entrevista, possui formas ou técnicas corretas de serem aplicadas. Ao obedecer as técnicas pode-se aproveitar ao máximo o tempo disponível para o atendimento, o que produz um diagnóstico seguro e um tratamento correto. Sabe-se hoje que a anamnese, quando bem conduzida na medicina, é responsável por 85% do diagnóstico na clínica médica, liberando 10% para o exame clínico (físico) e apenas 5% para os exames laboratoriais ou complementares. Na Engenharia Civil não existe um levantamento que estime este tipo de informação.


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